A importância de controlar as nossas suposições ao lidar com estranhos
Desenvolva a Arte de Interpretar Pessoas Desconhecidas
Evite tirar conclusões precipitadas sobre as pessoas desconhecidas.
Gladwell descreve por que a CIA leva a detecção da mentira tão a sério: um medo aterrorizante de traidores. No entanto, ele afirma que a agência falha repetidamente em identificar os espiões internos. Durante a Guerra Fria, por exemplo, o autor relata que praticamente todos os agentes da CIA em Cuba e no bloco soviético atuavam como agentes duplos.
A verdade é que é impossível tirar conclusões confiáveis sobre as pessoas – especialmente estranhos – observando as suas expressões e comportamentos ou tentando “sentir” as suas emoções. Aquele que acredita ser capaz de ler facilmente as intenções dos outros com base em “pistas frágeis” está redondamente enganado, adverte Gladwell. Ele lembra aos leitores que, na verdade, as pessoas têm grande dificuldade em avaliar com precisão as emoções ou intenções de estranhos, seja na sua cultura ou fora dela.
Veja o caso dos juízes que precisam conceder ou negar fiança aos acusados de crimes: eles ouvem os advogados, leem os arquivos dos casos e avaliam as pessoas acusadas. Na verdade, assegura o autor, os juízes seriam igualmente eficazes se tirassem a sorte com uma moeda. Ele demonstra que os algoritmos baseados em inteligência artificial conseguem prever quem vai cometer crimes sob fiança com maior precisão do que os magistrados.
As pessoas acreditam naturalmente umas nas outras; caso contrário, a sociedade não poderia funcionar.
Segundo Gladwell, a evolução humana fez com que as pessoas confiassem umas nas outras, algo que os psicólogos chamam de teoria da verdade pressuposta (truth-default theory, ou TDT) – o que significa que as pessoas geralmente presumem que estão ouvindo a verdade. Os mentirosos não precisam de habilidades ou inteligência especiais para enganar as pessoas; elas simplesmente acreditam.
Não nos comportamos como cientistas de mentalidade fria, lentamente coletando indícios de verdades ou falsidade de algo antes de chegarem a uma conclusão. Fazemos o contrário. Começamos acreditando. E paramos de acreditar somente quando nossos receios e dúvidas chegam ao ponto em que não podemos mais dissipá-los.Malcolm Gladwell
Gladwell relata com alguma surpresa que os humanos não desenvolveram a capacidade de detectar mentiras porque a desonestidade não ocorre com frequência e, quando ocorre, geralmente causa pouco dano. Os benefícios da confiança superam os riscos de eventuais mágoas. A confiança e a verdade permitem boas comunicações e transações na vida e nos negócios. Ainda assim, Gladwell alega que infelizmente a sua natureza crédula por vezes coloca você – e as outras pessoas – em apuros.
A natureza do comportamento entre estranhos está ligada às circunstâncias, condições e contexto em que eles se encontram.
Além da incapacidade das pessoas de ler corretamente as emoções dos estranhos, somada à tendência de acreditar no que eles dizem, Gladwell acrescenta o problema adicional do contexto. Onde e quando você conhece um estranho tem grande peso, enfatiza Gladwell. Ele constata que cerca de 50% dos crimes nas cidades do mundo ocorrem dentro de um contexto – ou seja, em menos de 5% dos quarteirões e ruas das cidades.
A polícia de Kansas City, no estado americano do Missouri, costumava praticar o policiamento com base em evidências – como era feito tradicionalmente – até que, no início dos anos 90, alguém introduziu uma prática de grande sucesso. Após identificar o distrito mais repleto de crimes da região, a nova orientação era mandar parar os motoristas por praticamente qualquer motivo. A polícia foi treinada para tratar todos com respeito, mas sempre procurando pistas que pudessem suscitar suspeitas. Eles foram ensinados a seguir o seu instinto e não assumir o pressuposto da verdade, porém apenas dentro do contexto certo e com sensibilidade. As taxas de criminalidade caíram pela metade. A notícia se espalhou: aqui estava um método que funcionava. Gladwell observa que os departamentos de polícia de todo o país começaram a aplicar o modelo de Kansas City.
O indivíduo só poderá agir na medida em que aprender a conhecer o contexto em que está inserido.Émile Durkheim, sociológo
Infelizmente, Gladwell notou que em quase todas as forças policiais fora de Kansas City o treinamento dos agentes deixou de lado o ingrediente crítico da sensibilidade ao contexto. Um destes lugares foi Prairie View, uma pequena cidade a 80 quilômetros de Houston, Texas, onde, em 10 de julho de 2015, a jovem afro-americana Sandra Bland teve um encontro terrível com o policial Brian Encinia. Por não ter recebido treinamento especial sobre as táticas de Kansas City, Encinia foi instruído a procurar os sinais estereotipados da mentira. O departamento de polícia de Prairie View não havia entendido a importância do contexto; em vez de focar nas áreas de alto crime, aplicou-as em todos os lugares.
Encinia, relata o autor, mandou Bland – que vinha de Chicago para uma entrevista de emprego – encostar por não sinalizar uma mudança de faixa. A abordagem ocorreu em um lugar sem registros de criminalidade, onde os novos métodos certamente não produziriam resultados além de mais receitas para o município. Bland agiu como as outras pessoas. A princípio, ela cooperou, mas ficou indignada por ter sido detida por algo tão banal. Encinia não foi gentil na sua abordagem. O comportamento de Bland levantou as suspeitas e medos do policial, agravando desnecessariamente a situação. Bland se recusou a sair do carro até que Encinia a ameaçou com um taser. Ele pediu apoio. Por fim, Bland foi presa e acusada surpreendentemente de agredir um policial. Mais tarde, a polícia demitiu Encinia, porém Bland não viveu para vê-lo. Três dias após a sua prisão, revela Gladwell, ela se enforcou em sua cela.
Se como sociedade tivéssemos mais consideração uns pelos outros, se estivéssemos dispostos a examinar as nossas consciências sobre como abordamos e entendemos os estranhos, [Bland] não teria acabado morta em uma prisão no Texas.Malcolm Gladwell
O episódio ensina, segundo o autor, que ao conversar com estranhos procure escutar mais, manter-se aberto com humildade e nunca se apressar em julgar. Aborde as conversas com cuidado, moderação e cautela. Não tente interpretar em excesso as expressões ou maneirismos das pessoas. Utilize o seu pressuposto da verdade para se manter cauteloso, nunca desconfiado.
Gladwell é bem-sucedido em investigar insights que são difíceis de descrever.
Em vez de explorar as implicações das métricas quantitativas – como as suas famosas “dez mil horas” – O autor bestseller Malcolm Gladwell se volta para o mundo do indescritível, fazendo com que pareça menos friamente analítico e mais compassivo com os erros e fraquezas humanos. Isso aumenta muito o charme da sua prosa, que é sempre inteligente, sem pretensões, fácil de ler e estranhamente memorável. Este talvez seja o trabalho mais empático de Gladwell. O seu texto é envolvente, bastante divertido e se configura uma fonte potencial e inesperada de autoconhecimento.